O seu nome de baptismo era António de S. Tomé.
Não se lhe conhecia pai nem mãe.
A graça de António foi obra do padre da freguesia de quem,
diziam as más línguas,
mais pai que padre,
fervoroso admirador do santo do mesmo nome.
O calendário litúrgico marcou-lhe o dia do baptismo
e emprestou-lhe o apelido.
Pena foi que alguma santidade
não tivesse encontrado osmose para o miúdo
que nesta altura ainda era António.
Sim, porque tempranito se lhe mostrou o carácter,
ou a falta dele.
Logo na creche onde se criou,
aprendeu a puxar o muco nasal
para o prato do colega mais próximo
e sabotava com mestria os brinquedos
apontando outro como autor.
Cedo dominou a arte da queixinha,
a troco de bolacha Maria ou outros favores.
Talentoso mentiroso,
desde cedo se tornou lusito brilhante na Mocidade Portuguesa
e legionário dedicado ao serviço da causa nacional
e da sua própria.
Logo que começaram a soprar
os primeiros ventos de mudança,
aderiu à juventude partidária
estrategicamente colocada à esquerda encostada ao centro.
Cursou Direito,
que algum conhecimento de leis,
mesmo mediocremente obtido por cópia e cábula,
pode vir a jeito.
Mas não se pense que é fácil
e isenta de escolhos a vida destes Antónios.
O sucesso é reservado apenas
aos que verdadeiramente se aplicam de alma e coração.
Desde logo,
vendendo a alma a quem mais por ela der.
Depois, remetendo o coração
às suas mais mesquinhas físicas funções,
proibindo-lhe radicalmente qualquer devaneio sentimental.
Quanto à coluna vertebral,
impõe-se-lhe intensa ginástica
até que a sua ridícula rigidez óssea
se transforme em maleável tecido cartilagíneo,
permitindo ao seu dono
assumir a posição mais adequada a cada situação.
Tornou-se rapidamente homem de mão de todo o chefe,
presente ou potencial,
muleta indispensável aos escalões superiores da hierarquia.
De tal forma se especializou na função
que o seu nome cedo se enriqueceu,
sendo Dr. António para cima
e Pôessajeito para o lado e para baixo.
A passagem pela modesta mas selectiva militância partidária
rendeu os frutos esperados
e a breve trecho se abriu atapetado caminho
em obscuro gabinete de ministro influente.
A prevista vitória do partido
premiou-o com assessoria de gabinete e secretária
por esforçados serviços prestados,
cumulado pela integração nos quadros da função pública.
Os tempos correram,
ministros que sairam,
outros que entraram,
e a todos o nosso Põessajeito dava jeito.
O seu inegável talento
era por todos reconhecido e por todos louvado.
E profusamente utilizado,
à esquerda, à direita e ao meio.
Mas a estrela do Põessageito arrefecia.
Outro põessajeito,
rival do Dr. António,
mais novo e mais letrado,
cometeu a suprema indelicadeza,
a miserável falta de ética carreirista,
de denunciar insignificante erro administrativo
na atribuição de fundos comunitários,
dos quais parte foi depositada
por mão mal intencionada
nas conta bancárias do Dr. António.
Bem clamou inocência o Põessajeito,
bem ameaçou que
“se eu cair, muitos cairão comigo!”,
mas de nada lhe serviu.
Este contratempo,
que noutros tempos
mão amiga não deixaria passar da secretaria do tribunal,
acabou nas mãos de juiz
com pretensões a Garzon da comarca,
que decidiu dar provimento ao processo,
de onde resultou,
oh suprema injustiça,
uma pena agravada de 10 longos anos de prisão.
Não há justiça neste mundo!
Julho 2007
sexta-feira, 8 de maio de 2009
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