sábado, 2 de maio de 2009

O CAMALEÃO

Teria, se bem me lembro,
os meus quinze anos de idade,
sei que foi em Setembro,
antes de voltar à cidade
e no fim das férias de Verão.

No bosque da cercania
cacei um camaleão.

Com um brilho de alegria
levei-o, ufano, para casa
numa caixa de sapatos,
pensando fritá-lo na brasa
ou partilhá-lo com os gatos.

Apresentei-o à família:
“eis um camaleão comum,
de sua classe reptilia”.

E para quebrar o jejum
dei-lhe uma mosca ao jantar
e uma melga à sobremesa.

Logo o mandei deitar
na caixinha azul turqueza.

Vinte tal anos vivemos,
eu mais o camaleão.

Nunca uma briga tivemos,
nem uma simples discussão.

Não faria palhaçadas
nem de falar era capaz,
mas era fiel como poucos,
e, à sua maneira, sagaz.

O camaleão, é sabido,
tem a singular competência
de através de um colorido
escolhido com sapiência,
mutar-se à vontade do freguês,
ora ferrenho de esquerda
ora naturalmente burguês,
de falsa inteligência lerda
ao mais idiota doutor.

Foi então que de repente
senti em mim um fulgor
e me vi, resplandecente,
de uma forma assaz irónica,
copiando os instrumentos
da técnica camaleónica
e dos seus conhecimentos!

Treinei, estudei à força plena
com o ardor de um condenado,
mas sei que valeu a pena,
hoje, sou Ministro de Estado!


Janeiro 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário