quinta-feira, 4 de junho de 2009

VIAGENS DE ELEVADOR

Na verdade, era um simples quinto andar.
Mas experimentem subir e descer,
descer e subir,
todo o santo dia,
mês após mês,
ano após ano,
sem direito a folgas, férias ou salário mínimo,
qual imigrante em empresa de construção!

Até as obrigações descritas em belo cursivo
na tabela de manutenção
eram sovinamente cumpridas,
um pingo de óleo este mês,
um aperto de porcas no próximo,
quando não se ficava por um experto olhar
de está-tudo-bem!

Que sim, senhor,
que também tinha alguns, poucos,
pequenos momentos de felicidade
que me eram trazidos pela visita ocasional
do senhor inspector da qualidade-dos-elevadores.

Mas mesmo estes foram rareando
até desaparecerem por completo
depois de uma conversa de cavalheiros,
que de cavalheiros pouco tinham,
que teve lugar aqui dentro
entre o senhor inspector e o empreiteiro,
em viagem do rés-do-chão para o sexto andar
onde se situava a casa da máquina.
Das vergonhas que ouvi,
ali junto dos meus botões,
como se eu não existisse,
guardarei prudente silêncio.

Pois, por falar em vergonhas,
fiquem os leitores sabendo
que não foram as únicas que me passaram pelo interior!
Nem as maiores!

A vida de qualquer elevador,
mesmo de modesto prédio
habitado por modestas gentes,
daria um filme de prémio assegurado
em qualquer festival digno desse nome.
Cenas de comédia, de tragédia,
de uma, duas e três bolinhas vermelhas.

Ainda ontem!
Então não é que a gorda do 5º esquerdo
resolveu urinar no meu tapete
só para poder acusar a cadela rafeira
dos vizinhos do 4º esquerdo que,
ora não a deixa dormir,
ora traz pulgas para o prédio.
Pulgas! Pulgas traz o canalizador que,
semana sim semana não,
lhe vai tratar da canalização!
Canalizador, claro, e eu sou um Jumbo 747!

E os àvontades do senhor Oliveira do 5º direito
que tresanda a Old Spice
com a senhora das limpezas do 3º esquerdo?
Ainda no domingo passado,
à hora da Missa,
lá vai ela direitinha ao 5º andar.
O cheiro a Old Spice que ela trazia
quando voltou meia hora mais tarde,
até me embaciou o espelho.

E mais, muitas mais histórias teria para contar.
O que as pessoas fazem
quando se fecham na privacidade do elevador,
valhamedeus,
limpam os dentes com as unhas,
experimentam sorrisos,
compõem decotes,
libertam arrotos e borborigmos,
soltam flatulências,
ajeitam as gravatas no pescoço
e as cuecas no rabo,
cheiram-se nos sovacos.

Mas o meu tempo e a minha história acabaram.
Estou, dizem, fora de prazo.
Imaginem, como se fosse um iogurte!

Vou ser substituído
por uma daquelas horrorosas caixas de aço,
com luzes embutidas no tecto
e porta automática com sensor electrónico
e música ambiente.

As histórias que se gravaram
nas minhas madeiras a que chamavam exóticas
(pinho folheado, era o que era!),
morrerão em qualquer fogueira de sem-abrigo.


Abril 2007

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