Eu sou um téni e estou preocupado com o meu futuro.
E tenho boas razões para estar preocupado.
Acabei de sofrer um terrível e mortal acidente de trabalho.
A minha sola,
melhor dito,
o meu piso,
pois de sola não tem nada,
é pura borracha sintética indonésia,
descolou-se e quase se separou do corpo
quando o meu dono pontapeou fortemente
uma bola molhada.
Nem sei como,
ironias inexplicáveis do futebol,
o remate saiu em arco,
com efeito imparável
e marcou um soberbo e aplaudido golo.
Mas voltando à preocupação pelo meu futuro,
pergunto-me:
para que é que serve um par de ténis que já não é par?
Os ténis,
como as freiras e os polícias,
devem andar aos pares!
Oh minha Adideusa,
Deusa dos Ténis,
já oiço os passos do meu dono!!
Agarra-me fortemente,
como se eu pudesse fugir sozinho e,
estranhíssimo,
atira-me ao ar gritando estridentemente
de tal forma que,
se ouvidos tivesse,
surdo teria ficado,
assim um som de índio americano,
algo como iupiiiiii.
Perdi a consciência num vórtice de terror
em que já me sentia jogado em lixeira malcheirosa
rodeado de alfaces fermentadas,
fraldas recheadas,
seringas ensanguentadas,
limões podres e outras imundices.
Volto a mim,
abro a medo os olhais vazios
por onde corriam habitualmente os atacadores e,
qual o meu espanto,
vejo-me colocado numa prateleira
no escritório do meu dono,
em local de destaque!
Pendurada ao peito,
tinham-me colocado uma placa que dizia:
“Téni amigo, jamais te esquecerei –
Final do Campeonato de Futebol Inter-Escolas, 2006”
Setembro 2007
quinta-feira, 4 de junho de 2009
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