sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

HISTÓRIAS

as histórias sempre me fascinaram!

os heróis e os vilões,
os príncipes e os ladrões,
sempre arrumados em parelhas dicotómicas,
cavalgavam as páginas dos meus livros e
voavam no meu imaginário adolescente.

navegava com eles p’los mares sem fundo,
dava três voltas ao mundo
montado em imortal pégaso
de mão dada com uma tágide.

abriam-se dimensões paralelas
de universos previsíveis
onde as inseguranças juvenis
se ancoravam no porto seguro
da inevitável vitória final
do bem sobre o mal.

mas nem sempre o herói da história
era o meu herói!
quantas vezes avisei o índio
que se aproximava o caubói!
quantas vezes o meu coração
sofria, solidário, pelo dragão!

quantas vezes cruzei a salto
as fronteiras da história…


Janeiro 2010

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A FORMIGA

amanhã vou ser grande
como um homem.
não, amanhã vou ser grande
como uma formiga,
porque a formiga é maior que o homem
toda a gente sabe
…………………………………………
o homem é singular
a formiga é plural
…………………………………………
o homem é um todo arrogante
que se move pisando os homens,
na sua unidade.
a formiga é uma humilde parte de um todo
que extrai a força vital
da sua complementaridade.
…………………………………………
o homem inventou um deus
para sobreviver pouco mais que um momento.
a formiga fez-se em deus
para ser formiga para sempre

Janeiro 2010

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

EXERCÍCIOS em redondilha maior e rima emparelhada

“Que tarde amena, Filomena!”
“Mesmo bacana, Juliana!”
“Vamos ao jardim, Serafim?”
“Estamos nessa, Vanessa!”

E lá foram, esfuziantes,
os quatro amigos de infância,
de olhos risonhos, brilhantes,
cantando em consonância.

Estavam chegando ao portão
quando passa, ensimesmado,
um outro amigo, o João,
em passo assaz estugado.

“Olá João, vais com pressa?”
logo lhe grita a Vanessa,

“Sim, vou buscar a Juana,
que chegou agora de Havana!”

“Vão ter conosco ao jardim!”,
acrescenta o Serafim,
“vamos cantar e dançar
até o dia raiar”!

E dançaram co’as formigas,
os amigos e as amigas,
desfizeram-se dos trapos
e beijaram rãs e sapos.

Vestiram-se de mil cores
beberam com os beija-flores
néctar e água de rosas
das orquídeas e mimosas.

E p’lo cálice do jacinto
foram três garrafas de tinto
que os deixou atordoados,
e alegres, mas ensonados.

Acenderam uma fogueira
debaixo da amendoeira
e dormiram abraçados.

Eram três dias passados
quando os olhos, ramelosos,
se abriram, esperançosos,
para um dia auspicioso.

Logo o Serafim, ranhoso,
anuncia em tom estridente:
“Tenho que ferrar o dente,
estou com fome, pessoal!”

“E o anticoncepcional?
Ai meu Deus que esqueci!”
chora a Juana, fora de si.

“Vamos mas é ao almoço,
mesmo que seja um tremoço!”
berra o João, esganiçado,
“quero um queijo amanteigado,
filetes de carapau,
um pastel de bacalhau
e duas tacinhas de branco!”

“Aproveito e vou ao Banco
levantar algum dinheiro
para ir ao cabeleireiro,”
diz o Serafim, gaiteiro.

A Filomena, zangada,
vai p’ra cima da bancada,
e grita em tom de falsete:
“Roubaram-me o sabonete!
preciso de me lavar,
qu’inda tenho qu’ir trabalhar
até à nove da noite!”

“Precisas de um bom açoite,
Só agora te lembraste
do que bebeste e cantaste!”
acusou a Filomena
sem qualquer sombra de pena!

Após longa despedida
lá foram todos à vida
de semblante acabrunhado,
cada qual para seu lado.

E assim acaba esta história
sem qualquer dedicatória,
junto apenas um abraço
bem sentido, d’amigalhaço,
e mais um queijo da serra
e saudades lá da terra.

Janeiro 2010