Luanda enleia-me o pensamento
perturba-me o raciocínio.
quero ser objetivo, analítico,
mas a semente emocional brota,
erva daninha inelutável,
adoçando as ideias
e amolecendo o coração.
Luanda não é estatística,
não se expõe, transparente,
à leitura dos indicadores habituais
ou ao raio X maniqueísta e simplório
do bom ou do mau.
Luanda é organismo complexo
onde predadores internacionais
se conluem com lobos locais
à mesa dos novos colonialismos
brancos e rubro-negros
Luanda é filha tardia
de séculos de portuguesismo
abafante e retrógrado
enfeitado aqui e ali
por palmada nas costas
e falso trato porreiro,
que criou um país negro de matriz branca
de onde os brancos tardaram a sair
e os negros tardaram a entrar.
Luanda sofreu e quase morreu
de décadas de morticínio fratricida
que fraturaram a terra e
deixaram uma herança
de tribalismo não resolvido
por uma consciência nacional
que germina, lenta lenta
em morno processo de construção.
E Luanda afoga-se em petróleo,
ouro negro de sangue,
abençoado petróleo,
malvado petróleo,
presente envenenado dos deuses,
que cravou suas garras no coração angolano
e sorve, insaciável,
a seiva vital de um povo
de novo escravizado pelo sonho
do rolex de ouro maciço
da griffe europeia
ou da quinquilharia chinesa
A Luanda chinesa dos casinos
ou a Luanda do Dubai na baía
insultam a dignidade eterna
dos embondeiros que africanizam
os condomínios brancos de Talatona.
Que os embondeiros não morram
para que os mais velhos não morram
e contem histórias antigas
dos deuses antigos de S. Paulo de Luanda.
quarta-feira, 16 de março de 2011
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