domingo, 28 de março de 2010

APOLOGIA DA FORMA

Acompanho com curiosidade,
algo mórbida, confesso,
um fenómeno marcante dos tempos atuais,
o primado da forma sobre o conteúdo.

Uma ideia, qualquer ideia,
vale pela qualidade da sua expressão,
independentemente do seu conteúdo.

Uma má ideia, cuidadosamente vestida,
cosmetizada e bem vendida,
passa a brilhante referência intelectual

Uma boa ideia, pobremente apresentada,
torna-se fugaz , incorpórea,
e morre no pó dos arquivos descontinuados.

A arte de dourar um conteúdo
medíocre na sua origem,
um político, um sentimento
ou um simples prato de comida,
por forma a que o ávido consumidor
o veja como um ideal de representação
ou uma refinada essencialidade,
é, sem sombra de dúvida,
o mais fiel retrato da fragilidade
e do nanismo espiritual do homem moderno.

Tudo se toma pelo seu valor facial,
não cabendo à dimensão intrínseca das coisas
mais que papel menor ou meramente decorativo
no teatro da vida moderna.

Vivem-se tempos de ser o que se parece
mesmo que se pareça o que se não é.

Ganhou a mulher de César
que hoje lhe basta parecer
sem ter o trabalho de ser.

De tal forma que a forma,
antes chamada acessório,
ganhou vida própria e substantivou-se,
defenestrando de vez o conteúdo.

Março 2010

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